O quarto título da Coleção Perfis, que já apresentou as biografias do artista plástico José Cláudio, do xilogravurista J.Borges e do ex-prefeito de Olinda Germano Coelho, revela a história de uma menina, negra e pobre, que aos 12 anos, entre o exaustivo trabalho doméstico e as brincadeiras no manguezal, sonhava um dia ser artista reconhecida e cantar para multidões. Lançado em maio pela Cepe Editora, Lia de Itamaracá: nas rodas da cultura popular, escrito pela jornalista Michelle de Assumpção, descortina a história de Maria Madalena Correia do Nascimento, que ficou famosa antes mesmo de ser cantora e rainha da ciranda. Para falar sobre o livro, a história e importância de Lia de Itamaracá para a cultura brasileira, a autora e o editor da Cepe, jornalista Diogo Guedes, participam de uma live na próxima quinta-feira (14), às 17h30, no canal do Instagram da editora (@cepeeditora).
Convidada pela Cepe, Michelle Assumpção começou sua pesquisa para o livro no ano passado e já de início se viu diante de uma triste constatação: a escassez de títulos que se propõem contar as histórias dos celebrados mestres e bens culturais. “Escrevemos muito pouco sobre nossa cultura popular e seus mestres e mestras. A identidade do que chamamos ‘ser pernambucano’, ‘ser nordestino’ passa pelas tradições da nossa cultura, pelas expressões artísticas seculares que vêm sendo transmitidas através de gerações, e que são representadas por figuras como Lia de Itamaracá. Contar ou ler sobre a sua história é um exercício também de reconhecer-se cidadão ou cidadã de um território, é entender esses lugares de pertencimento, saber-se parte da cultura”, aponta a autora.
Em 216 páginas, o livro apresenta Lia de Itamaracá em uma costura com a própria história da ciranda em Pernambuco, uma expressão popular com bases fincadas na Zona da Mata e essencialmente masculina em sua origem. Contextualiza e destaca ainda a presença de outros grandes nomes do universo cirandeiro, como Dona Duda, mestre Antônio Baracho, Santino Cirandeiro e João Limoeiro. “O tempo todo estive ciente de que estava escrevendo uma história sobre uma das artistas populares mais importantes de nossa geração, e sentia o peso dessa responsabilidade. Uma simples busca na internet pelo seu nome revela em torno de 134 mil citações. Me fiz a seguinte pergunta: que contribuição maior eu poderia dar, além de apenas reunir os principais fatos, discos, projetos, dificuldades (muitas) e conquistas (outras tantas) de Lia? “, questiona Michelle.
A pesquisa teve como fontes a própria bagagem da autora enquanto jornalista especializada, o acervo pessoal da cantora, jornais do século passado, além de consultas a estudos referenciais sobre a ciranda. O zelo com a apuração de dados permitiu ao livro fazer correções importantes, como, por exemplo o encontro de Lia com a ciranda. Ao contrário do já muito divulgado, Lia, que adorava cantar quando menina, não cresceu ouvindo ciranda. A ciranda, por sinal, uma inegável marca identitária da ilha, só chegou à Itamaracá pela voz e mãos da própria Lia, no final da década de 1970.
O livro revela ainda a inusitada história de como Lia se tornou nacionalmente conhecida como cirandeira antes mesmo de virar cantora graças à música Quem me deu foi Lia, de Antônio Baracho, gravada por Teca Calazans em 1967. “E foi este fato - a criação do mito Lia de Itamaracá a partir de uma canção - que termina sendo o mote inicial e também minha maior preocupação na escrita desta biografia. Tive muito medo de contradizer o que a própria artista afirmara durante toda sua vida (a respeito da composição) e, por consequência, o que quase toda mídia - e até alguns pesquisadores - contaram. Acredito, no entanto, que encontrei uma resposta justa para o dilema, ou a polêmica, como a própria Lia se refere ao fato”, indica a autora.
Patrimônio Vivo da cultura pernambucana, Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco, Lia de Itamaracá gosta de usar a palavra resistência para definir sua trajetória de vida e de arte. Desde que subiu ao palco e cantou pela primeira vez em junho de 1974, no Pátio de São Pedro, tornando-se a grande vencedora do 5º Festival da Ciranda de Pernambuco, ela encara com altivez os desafios impostos. Viveu os anos dourados da ciranda na década de 1970, enfrentou a estagnação e a penúria dos anos 1980 e a partir de 1997, quando sua vida cruzou a do produtor Beto Hess, consolida seu lugar na cena cultural brasileira.
A cantora se permitiu estabelecer diálogos com diversos artistas e gêneros musicais. Participou de grandes festivais, como o Abril Pro Rock, percorreu o Brasil e a Europa em turnês memoráveis. Foi chamada de “diva da música negra” pelo jornal The New York Times. Ao mesmo tempo, nunca abandonou a função de merendeira na Escola Estadual de Jaguaribe (de onde saiu em 2010 para se aposentar) e tampouco sua ilha e raízes. Aos 76 anos de idade se reinventa porque assegura que o sonho de cantar foi um presente de Deus. “Lia é sem dúvidas não apenas a Rainha da Ciranda, mas umas das personalidades mais influentes da música popular e tradicional brasileira”, complementa a autora.
Serviço:
Live de lançamento do livro Lia de Itamaracá: nas rodas da cultura popular
Quando: 14.05.2020, quinta-feira
Horário: 17h30
Onde: Canal da Cepe Editora no Instagram (@cepeeditora
Preço do livro: R$ 40,00 (impresso) e R$ 12,00 (e-book)