
Histórias de uma familia marcada pelos engenhos e canaviais
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O livro percorre três séculos de costumes, modas e política
JOSÉ TELES
“Ao mesmo tempo em que juntava os fragmentos biográficos de ancestrais, fui montando uma história social, econômica, política e de costumes (aqui contada de forma peculiar, reconheço) do mundo canavieiro-açucareiro nordestino, especialmente, entre os anos 1870 e 1950”. Assim Gustavo Maia Gomes sintetiza o livro O Trem para Branquinha – Dos engenhos às usinas de açúcar no Nordeste Oriental: histórias familiares (1796-1966), com selo da Cepe, que lança hoje, às 18h, na Livraria Jaqueira (Rua Antenor Navarro, 138 -Jaqueira).
Na verdade são dois livros num só volume, o citado O Trem para Branquinha e Uma Noite em Anhumas: “A ideia era um livro só, mas o pano de fundo de O Trem para Branquinha é a passagem dos engenhos às usinas. Uma Noite em Anhumas, em contraste, vai das usinas ao predomínio urbano no mesmo Nordeste canavieiro. Como a narrativa não é necessariamente uma sucessão cronológica, os dois podem ser lidos separadamente sem prejuízo da compreensão”, explica o autor.
Em suas 564 páginas (incluindo ilustrações, notas e bibliografia), Gustavo Maia Gomes traça a genealogia da família, começando em 1796, realçando o período entre enfatiza o período aproximado de 1811 a 1966, ou seja, do nascimento de Maria Madalena da Silva, trisavó materna, até a morte do avô paterno Nominando Maia Gomes. São vidas que transcorrem em torno e sob a influência da cana-de-açúcar: “Até a geração de meu pai, meus parentes foram todos proprietários de engenhos de açúcar, fazendas de cana e usinas. Pelo lado materno, tiveram procedência variada, porém, um dos meus bisavôs terminou a vida como senhor de engenho e seu filho mais velho viveu quase todo o tempo às voltas com a cana e o açúcar, sendo usineiro dos 30 e poucos anos até morrer, aos 47. Portanto, as histórias que narro são de donos de terras e de fabricantes de açúcar, de seus filhos e netos”.
Inicialmente Gustavo Maia Gomes pretendia intitular o livro de Gente Comum em Circunstâncias Ordinárias, mudou de ideia ao constatar que não havia só pessoas comuns na família e que nem todos viveram episódios corriqueiros ou triviais. Aliás, dois parentes importantes para a cultura brasileira são parentes, não tão próximos do autor. O crítico de arte Mário Pedrosa (1900/1981), nascido em Timbaúba, mas que fez carreira no Rio, e Geraldo Vandré, ou Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, paraibano de João Pessoa: “Não consegui precisar meu grau de parentesco com Mário Pedrosa. Mas minha mãe quando ia ao Rio o visitava. Geraldo Vandré provavelmente também é da família, mas isto eu vou confirmar no próximo livro, que será a continuação deste, com o material que sobrou, mas com temática semelhante, porém focando um período mais recente”. Outro parente importante foi o padre Francisco Raimundo da Cunha Pedrosa, falecido em 1936, em Escada, aos 89 anos, com direito a matérias nos jornais do Recife, e artigo assinado por Mário Mello.
A família Maia Gomes tem as raízes fincadas em Branquinha, cidadezinha da Zona da Mata Alagoana (a 67 km de Maceió), que já foi próspera, com muitos engenhos e usinas de açúcar, beneficiada pela Alagoas Railway, depois, Great Western, que se tornou Rede Ferroviária do Nordeste. O trem está bem presente também no livro. Fazia parte da paisagem quase tanto quando os imensos canaviais. Embora a família tenha se disseminado por Pernambuco, Paraíba e Alagoas. E até por Santo Amaro, no Recôncavo baiano, onde morou Alípio Maia Gomes (1878-1916), médico que atuou na Guerra de Canudos e na disputa entre Brasil e Bolívia pelo “território litigioso do Acre”.
O Recife no entanto é a cidade que concentra a maior atenção do autor, com ênfase para a década de 70 do século 19: “A escolha dessa década porque a partir dela é que as coisas ficam mais fáceis de serem percebidas. Pelo desenvolvimento da imprensa, eu posso seguir a história dos engenhos da família, antes as informações eram escassas. Também porque dos 1870 a 1930, os engenhos vão perdendo sua força, e as usinas predominando”, explica o escritor. Mas Alagoas, e Maceió, também recebe generoso espaço, inclusive com citações a Graciliano Ramos, que foi amigo do pai de Gustavo Maia Gomes.
ALEMÃES
O suíço Leonardo Kuhn chegou ao Recife aos 20 anos. Do seu casamento com a alemã Maria Margarida Gartner nasceu Maria Margarida Kuhn, que casou com Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa, foram bisavós de Gustavo Maia Gomes. A vinda de Leonardo Kuhn ao Recife não era um fato isolado, aponta o autor. A capital pernambucana era uma das principais cidade do país, e recebia uma grande leva de estrangeiros. Em 1872, viviam no Recife 6.197 estrangeiros, a maioria de portugueses, seguidos por italiano, espanhóis, ingleses e paraguaios; e suíços, americanos, austríacos em pequena quantidade. A cidade naquele ano tinha 117 mil habitantes, era a terceira do país, depois de Salvador (129 mil) e Rio de Janeiro (275 mil). O autor, por meio de pesquisas na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional mostra uma viva panorâmica do Recife no capítulo Como era viver no Recife nos anos 1870.
A capital de Pernambuco oferecia oportunidades ao imigrante (inclusive de outros Estados). Segundo o Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola da Província de Pernambuco para o Ano de 1870, consultado por Gustavo Maia Gomes, refinarias de açúcar existiam 23, os bancos eram em número de cinco, padarias eram 46, oito eram as livrarias, e tabernas nada menos de 346. Maia Gomes lembra que a primeira cervejaria industrial do Brasil foi criada no Recife pelo alemão Henry Joseph Leiden, em 1842. Leiden era tio do alemão Henri Quantz coincidentemente chegado ao Recife no mesmo navio em que veio outro alemão August Carl Ludwig Kruss, que se tornaria cunhado de Quantz. Este por sua vez é trisavô do autor de O Trem para Branquinha. A família vai se ramificando, com os casamentos entre integrantes da aristocracia açucareira, um entrelaçamento que envolve, entre outros, os Omenas, Calheiros, Gomes de Barros, Ferreira Lopes, com muitos casamento entre primos.
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